DO POLÍTICO IMBECIL AO IMBECIL POLÍITICO
Crônica de uma Inversão Brasileira

Toda língua guarda uma sabedoria qase oculta. No português do Brasil, não é diferente. Um simples rearranjo de palavras pode traçar a crônica de uma nação e de sua vida social e política em frangalhos. Veja-se o caso de duas expressões ofensivas: 'político imbecil' e 'imbecil político'. À primeira vista, parecem sinônimos, mas não são.
Entre elas, há uma distância fundamental. É ao explorar essa distância, no modo como são empregadas, que podemos ler a história recente da desfiguração da nossa vida pública.
O Brasil sempre teve políticos imbecis em seus espaços de poder. Eram figuras carimbadas de nosso cenário nacional: o parlamentar de raciocínio lento; o prefeito cujos discursos anedóticos ofuscavam seus feitos quase inexistentes; o legislador cuja ignorância sobre temas básicos era um constrangimento constante.
Toda essa imbecilidade, no entanto, era vista como um atributo pessoal, um defeito de percurso — um problema do indivíduo, não do sistema. Criticava-se o homem que, sendo político, era também um tolo. Sua incompetência era uma falha a ser administrada, um peso morto que o partido carregava, um ruído que as instituições, com sua pompa e circunstância, tentavam abafar. Ele era, em suma, um “acidente de trabalho” na oficina da democracia.
Mas o Brasil recente, turbinado pela fúria imediatista das redes sociais e por um populismo que fez da provocação vazia seu principal produto, pariu uma criatura diferente, muito mais perigosa: o imbecil político. Nele, a imbecilidade não é mais um acidente constrangedor; ela é o método. Para essa criatura, a performance é a arma; a ignorância, o projétil; e a desinformação, o projeto.
Para essa nova figura, o debate racional não é o campo de disputa, mas o território a ser destruído. Ela age como um pombo enxadrista: derruba as peças, suja o tabuleiro e sai cantando vitória.
O deboche, a ofensa rasteira, a mentira descarada e o ataque sistemático à ciência, à cultura e à imprensa não são os escorregões de um ignorante, vítima da educação precária, que por acaso chegou ao poder. Pelo contrário, são estratégias calculadas. O objetivo é gerar engajamento e implodir qualquer possibilidade de diálogo.
A estupidez, assim, vira uma espécie de estética, um selo de autenticidade para uma base de apoiadores que aprendeu a desprezar o conhecimento e a ver na complexidade uma armadilha das elites. Ser polido, informado ou respeitoso com os fatos é ser parte da "velha política". A "lacração" grotesca, por outro lado, é prova de coragem e pureza.
O que assistimos, então, foi a uma brutal e intencional inversão de valores. A atuação desses imbecis políticos, invariavelmente de extrema direita, é um ato performático que se beneficia da frivolidade das redes sociais para ganhar tração.
Nesse cenário, a competência foi posta sob suspeita. A qualificação tornou-se um atestado de contaminação pelo "sistema". A lealdade cega a um líder ou a uma tribo passou a valer mais do que qualquer projeto de país.
O político imbecil era um problema na engrenagem; o imbecil político é um problema da engrenagem, um sintoma de sua falência. Ele não só ocupa um espaço de poder; ele envenena o próprio poço de onde a vida pública deveria beber.
Hoje, a questão é ainda mais profunda. No fundo desse abismo, estão as big techs e seus algoritmos imbecilizantes, dando a esse novo status quo um alcance que projeto civilizatório algum jamais teve.
O desafio, portanto, vai muito além de simplesmente tentar eleger políticos que não sejam imbecis. Trata-se de um resgate: o de reconstruir um ambiente onde a estupidez volte a ser motivo de vergonha, e não de orgulho. É sobre, de alguma forma, devolver à praça pública a dignidade da inteligência, fazendo do processo democrático um projeto não só político, mas também fundamentalmente pedagógico.